Por Alessandra Corrêa — De Washington para a BBC News Brasil
Atualizado e adaptado para o Jornal Folha do Batel | 11 de maio de 2025
Robert Prevost, nascido em Chicago, assume o papado como Leão 14. Escolha é vista como continuidade da visão reformista de Francisco e um recado ao governo conservador de Donald Trump.
A eleição do cardeal Robert Francis Prevost como novo papa da Igreja Católica surpreendeu o mundo. Natural de Chicago, Prevost tornou-se Papa Leão 14, entrando para a história como o primeiro papa norte-americano a assumir o trono de São Pedro. A decisão do conclave, além de simbólica, é interpretada por analistas como uma resposta estratégica do Vaticano à pressão conservadora vinda dos Estados Unidos, especialmente durante os governos de Donald Trump.
Nos bastidores do conclave, a preocupação entre observadores da Santa Sé era clara: qual seria o impacto da influência americana sobre a sucessão de Francisco? Grupos católicos conservadores dos EUA, que durante anos se opuseram às reformas do papa argentino, sonhavam com um pontífice mais alinhado às suas causas. A surpresa veio com a escolha de um compatriota que, ao contrário do esperado, representa continuidade reformista.
“Esta eleição papal é também uma resposta a Trump, mas uma resposta oblíqua, não frontal”, escreveu o professor de teologia histórica Massimo Faggioli, da Universidade Villanova, no X (antigo Twitter).
Apesar de sua origem americana, Prevost tem uma longa trajetória fora dos Estados Unidos, tendo passado grande parte de sua vida religiosa no Peru. Sua carreira é marcada pelo compromisso com a justiça social e pelos valores centrais do Concílio Vaticano II, como o diálogo inter-religioso, o acolhimento dos migrantes e a dignidade da pessoa humana.
Entre Roma e Washington: um papado em tempos de tensão política
Durante o pontificado de Francisco (2013–2025), a relação entre o Vaticano e os Estados Unidos foi frequentemente tensa. O presidente Donald Trump e seu vice, J.D. Vance — católico declarado — estiveram no centro de polêmicas que envolveram temas como imigração, armas, mudanças climáticas e políticas sociais. Francisco chegou a repreender Vance publicamente por tentar justificar deportações em massa usando conceitos doutrinários da Igreja.
A escolha de Leão 14, portanto, quebra expectativas dos setores mais conservadores. Pouco após o anúncio, postagens antigas atribuídas a Prevost começaram a circular nas redes sociais. Em alguns desses conteúdos, ele critica duramente a política imigratória de Trump e interpretações teológicas equivocadas feitas por Vance, como o uso do conceito de Ordo Amoris para embasar políticas de exclusão.
Também há publicações nas quais Prevost defende o controle de armas, o combate ao racismo sistêmico e a urgência de uma Igreja mais engajada com as causas sociais contemporâneas.
Villanova toca os sinos: uma biografia que une tradição e renovação
Formado em Matemática pela Universidade Villanova, nos Estados Unidos, Prevost também é membro da ordem agostiniana, assim como a instituição onde estudou. Após anos de trabalho missionário no Peru e na Cúria Romana, tornou-se uma figura respeitada dentro da estrutura da Igreja global.
Segundo o professor Faggioli, que também leciona em Villanova, a eleição foi recebida com euforia no campus. “Os sinos da universidade começaram a tocar minutos após o anúncio e não pararam por horas”, contou.
Apesar do entusiasmo, a chegada de um papa americano não significa necessariamente proximidade com o conservadorismo político de seu país natal. “Ele é um papa das Américas, não apenas dos Estados Unidos”, afirmou Faggioli. “Com Leão 14, será mais difícil que Trump e Vance dominem a narrativa católica no país.”
Impactos para a Igreja nos Estados Unidos
A ala conservadora da Igreja Católica nos EUA é poderosa, bem organizada e foi um dos principais polos de oposição a Francisco. A expectativa entre os fiéis mais tradicionais era de que o novo papa interrompesse a agenda progressista de inclusão, acolhimento e foco nas periferias.
No entanto, Leão 14 parece seguir um caminho de continuidade doutrinária, mas com estilo próprio. Segundo Faggioli, “não creio que a mensagem irá mudar. Mas acho que adotará um estilo diferente, menos pessoal e mais institucional.”
Para os especialistas, essa mudança pode ser suficiente para abrir diálogo com setores que se afastaram do Vaticano nos últimos anos. Ao mesmo tempo, desafia os conservadores americanos a reformular suas estratégias — afinal, agora o papa fala com sotaque local.
Trump e Vance reagem, mas enfrentam novo cenário
Donald Trump reagiu rapidamente à eleição, descrevendo a escolha do primeiro papa americano como “uma grande honra”. A mensagem, publicada na rede Truth Social, pareceu cordial, mas não esconde o desconforto de ver um líder da Igreja que, apesar de compatriota, mantém distanciamento de sua plataforma ideológica.
J.D. Vance também parabenizou Prevost publicamente, mas analistas apontam que o discurso dos dois pode se tornar mais cauteloso diante da nova configuração eclesiástica. Com um papa americano com posicionamentos críticos às políticas de ambos, o uso da fé católica como ferramenta política tende a se tornar mais complexo.
“A partir de hoje, não será Trump nem Vance quem falará com os católicos americanos”, conclui Faggioli. “Agora há um papa que conhece bem os Estados Unidos — e não pode ser acusado de ser antiamericano.”