Quem é Sandra Terena, a 1ª indígena a assumir uma secretaria no governo federal

Quem é Sandra Terena, a 1ª indígena a assumir uma secretaria no governo federal

Curitibana de 37 anos, da etnia Terena, que vai assumir a Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, diz que Jair Bolsonaro está dando visibilidade inédita a minorias

Catarina Scortecci, Gazeta do Povo

A jornalista de Curitiba Sandra Terena, com 37 anos de idade, e indígena da etnia Terena, se prepara para se mudar para Brasília, onde comandará a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta entregue a Damares Alves pela gestão Jair Bolsonaro (PSL) . Em entrevista à Gazeta do Povo nesta sexta-feira (4), Sandra Terena, ou “Alieté”, como é chamada na aldeia Icatu, antecipou uma prioridade imediata – uma varredura nos 250 convênios existentes identificou a ausência de prestação de contas em 160 casos. Mas, questionada sobre como ficarão as ações afirmativas, em especial a política de cotas raciais, já criticada pelo presidente eleito, Sandra Terena se esquivou: “Eu acho que teria que ser a ministra para te informar”.

Na contramão da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a jornalista também comentou que vê “com tranquilidade” a polêmica Medida Provisória que transferiu o processo de demarcação de terra indígena – até então uma prerrogativa da Funai – para as mãos da pasta da Agricultura. Também saiu em defesa do novo presidente da República: “O governo Bolsonaro está dando uma visibilidade inédita para minorias”.

Você é indígena da etnia Terena, certo? Onde nasceu?
Sim. Nasci em Curitiba. Meu pai saiu da aldeia Icatu, no interior de São Paulo, para servir o quartel em Curitiba, e eu acabei nascendo em Curitiba. Então eu morei na cidade, mas indo sempre para aldeia, que tem Kaingangue e Terena. Meu avô, e tenho muito orgulho, foi um dos patriarcas da aldeia Icatu. E ele sempre me dizia, e dizia para o meu pai também, quando jovem, que seria interessante meu pai conhecer a cidade, conhecer outro mundo, a sociedade. E, para mim, ele [avô] também sempre dizia que era para eu estudar, para ter conhecimento, e defender o nosso povo. Eu tenho três irmãos. E, por causa do acesso à educação, acabamos nos fixando em Curitiba. Mas sempre tive contato com meus parentes, avôs, tios, primos, na aldeia. Eu tenho uma família muito grande lá. Meu pai é de uma família de 10 filhos.

Como está a aldeia hoje? O que mudou por lá?
Ela existe, é uma aldeia bem estruturada, por conta de uma parceria com o governo estadual, de São Paulo. O pessoal da aldeia ganhou casas de alvenaria. Hoje tem internet na aldeia, tem luz elétrica, tem água, campo de futebol, escola, posto de saúde. Hoje eu acho que vivem lá em torno de umas 50 famílias…

E, em Curitiba, você se formou em jornalismo?
Sim, na Universidade Positivo. Me formei em 2003. Sou a primeira jornalista indígena do país. E escolhi jornalismo justamente porque vejo a comunicação como uma ferramenta muito forte que a gente pode usar em favor da causa.

Você tem uma militância contra o infanticídio, certo?
Sim, me aprofundei mais sobre esta temática. Fiz um documentário sobre isso [em 2009]. Usei a minha formação para dar voz a uma causa que é muito delicada de falar. Foi um tema que me tocou muito, como mãe, como indígena.

O infanticídio agora é residual? Por quantas etnias isso é praticado hoje? Temos dados?
Pelo levantamento que a gente fez na época da produção do documentário [em 2009], a gente detectou que existiriam pelo menos 20 povos [que adotam a prática do infanticídio]. Mas temos um problema na tabulação dos dados. Não existe um registro… Se, por exemplo, uma mãe indígena deixa de alimentar uma criança, ela pode ir a óbito por inanição [e não por infanticídio]. Então não tem como identificar.

Você criou uma ONG, a Aldeia Brasil, certo? O que ela faz? Ainda atua nela?
Eu não estou mais na Aldeia Brasil, desde o ano passado, mas eu usava a minha formação [comunicação social] para dar visibilidade à causa indígena. Promover e valorizar a cultura indígena, principalmente o povo guarani. Eu tenho contato muito grande com o povo guarani. É uma cultura que eu gosto muito. Por meio da Aldeia Brasil, fizemos ações para dar visibilidade a esse povo. E também participamos da articulação da primeira aldeia urbana do Sul do Brasil, a Kakané Porã, na região do Campo de Santana, em Curitiba. Participei da fundação da ONG e fiquei nela por volta de 13, 14 anos.

O presidente Bolsonaro falou que há indígenas manipulados por ONGs. Como você entende a questão?
Eu concordo com isso. Acho que as minorias no Brasil muitas vezes foram utilizadas como massa de manobra. Eu participei da transição e tenho visto as pessoas preocupadas com quem está lá na ponta, sem intermediários. Ou seja, dar o protagonismo para quem está lá na ponta. Tem ONGs que fazem um trabalho sério, claro, mas também tem ONGs que utilizam a causa em benefício duvidoso.

Sobre a questão indígena: um dos primeiros atos do presidente Bolsonaro foi a elaboração de uma Medida Provisória que retira da Funai e transfere para a pasta da Agricultura a demarcação de terras indígenas. Como você viu a decisão?
Eu vejo com muita tranquilidade. O presidente Bolsonaro está muito ciente das ações que têm tomado. Ontem mesmo a própria ministra (Mulher, Família e Direitos Humanos) Damares Alves foi entrevistada sobre o assunto e ela explicou que a Funai vai continuar trabalhando junto e não vai perder força. Acredito que seja um trabalho diferenciado sim, do governo Bolsonaro, mas valorizando também o povo indígena. Não vai haver prejuízo.

Movimentos indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), se manifestaram publicamente contra a Medida Provisória. A APIB chegou a divulgar um texto no qual classifica declarações do presidente Bolsonaro [sobre a questão indígena] como “preconceituosas, racistas e integracionistas”. Você acompanhou a repercussão? Como vê a reação?
Acompanhei sim, mas o governo Bolsonaro está aberto ao diálogo. Acho que [a crítica] é infundada. Eu sou indígena. O meu secretário adjunto [Esequiel Roque do Espírito Santo] é um negro. Dentro da diretoria, também temos um cigano [Igor Shimura]. Ou seja, o governo Bolsonaro está dando uma visibilidade inédita para minorias, até então nunca dada.

O que se planeja para a Secretária Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial? O que já dá para anunciar de concreto?
Ela vai continuar com o combate de enfrentamento ao racismo e com a realização de ações afirmativas, de promoção da igualdade racial. Também trazendo para mais perto de si a questão do indígena, do cigano, e dos povos tradicionais. Nos 100 primeiros dias, uma ação que a gente quer priorizar é a reavaliação de convênios. A gente detectou que, dos 250 convênios da secretaria [com entidades, municípios, estados], 160 estão com prestações de contas pendentes. Vamos fazer uma força-tarefa para ver esses contratos e tomar as medidas cabíveis. O governo Bolsonaro vem forte com esta questão, do combate à corrupção, da efetividade do serviço público. Então é uma coisa importante a se fazer. Colocar a casa em ordem.

Você falou das ações afirmativas, que elas devem permanecer. Mas, durante a campanha eleitoral, Bolsonaro criticou a política de cotas raciais, em concursos, vestibulares. Já houve uma conversa com ele sobre isso?
Sim, com a ministra também. Estamos vendo esta questão das cotas, mas está tudo em análise ainda.

Mas há possibilidade de mudança na política de cota?
Quanto a isso, eu acho que teria que ser a ministra para te informar…

Como você conheceu a ministra Damares? Como surgiu a indicação para ocupar a cadeira da secretaria?
A gente se conheceu em meio ao trabalho do infanticídio, há alguns anos. Ela é uma defensora dos direitos humanos. E eu sou uma defensora de pais e mães indígenas que querem lutar para manter seus filhos vivos. Foi a partir daí que a gente estabeleceu uma relação.”

Fonte: Gazeta do Povo

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