Nos 10 anos da Lei Maria da Penha, MP-PR destaca avanços e desafios da legislação

Nos 10 anos da Lei Maria da Penha, MP-PR destaca avanços e desafios da legislação

Segundo dados consolidados pelo Ministério Público do Paraná, por meio do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige), foram registrados no estado 17.639 casos de violência doméstica contra a mulher entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro de 2015. Além disso, comunicaram-se à instituição 187 feminicídios ocorridos entre 10 de março de 2015 (quando a Lei do Feminicídio entrou em vigor) e 29 de julho de 2016. É no contexto dessas estatísticas que o MP-PR reforça a importância da Lei Maria da Penha, que completa dez anos em 7 de agosto e representa o principal instrumento legal de enfrentamento a agressões contra a mulher nas relações privadas.

A Lei nº 11.340/2006 adveio de uma condenação do Estado Brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a partir do caso Maria da Penha (leia entrevista especial). “Concluiu-se que havia uma proteção insuficiente aos Direitos Humanos das mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil, momento em que o país acelera a apreciação legislativa até o surgimento da Lei Maria da Penha”, explica o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos.

A lei estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher é crime, podendo ocorrer em casa, na esfera familiar o no âmbito de qualquer relação íntima de afeto. A violência doméstica de que trata a legislação vai além da violência sexual, patrimonial e física, e abrange também a violência psicológica e moral.

A promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, coordenadora do Nupige, explica que a lei pode ser aplicada a pessoas que convivem permanentemente em uma mesma unidade doméstica, com ou sem vínculo familiar com a vítima, inclusive àquelas esporadicamente agregadas, como parentes, companheiros, filhos, irmãos, diaristas etc. “Também pode ser considerado agressor quem convive ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (companheiros, ex-companheiros, namorados, ex-namorados)”, afirma. “Além disso, a Lei não se restringe a pessoas do gênero masculino, podendo ser aplicada às relações homoafetivas entre mulheres.”

Diante de uma realidade brasileira machista, patriarcal e violenta, Olympio ressalta que a legislação deve ser implementada de modo a propiciar efetivo enfrentamento aos casos de mulheres vítimas. “O Ministério Público tem um papel fundamental não só na repressão penal, mas, especialmente, na construção de uma política pública direcionada à garantia da igualdade de gêneros”, declara. “Quando a mulher for tratada com dignidade e respeito e tiver assegurada participação política e social e também no mercado de trabalho, a violência contra ela também tenderá a diminuir. Trata-se, portanto, essencialmente, de uma questão de gênero.”

Avanços – Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015 avaliou a efetividade da Lei Maria da Penha e revelou que a medida fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídios contra as mulheres dentro das residências, o que “implica dizer que a LMP foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país”. Os dados utilizados para a análise dizem respeito às agressões letais no Brasil e foram obtidos por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Dentre os avanços da lei ao longo desses dez anos, destacam-se a implementação – e o aumento – dos Centros de Referência e Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, além da criação de programas de reeducação do homem agressor em todo o Brasil. Houve também o acréscimo de Delegacias da Mulher e a criação de Promotorias de Justiça especializadas e Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, contribuindo para o atendimento humanizado das vítimas, bem como para a celeridade dos processos.

“A Lei Maria da Penha também está entre as três legislações mais avançadas do mundo, segundo o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher”, afirma Mariana Bazzo. “Esse reconhecimento resultou na publicização da discussão acerca do tema, anteriormente considerado assunto de âmbito privado.” A promotora de Justiça acrescenta que, por meio do programa “Mulher: Viver sem Violência”, a Secretaria de Políticas para as Mulheres instituiu as Unidades Móveis – ônibus ou barcos adaptados – para atendimento a vítimas no campo e na floresta, e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) iniciou a implementação do Cadastro Nacional de Violência Doméstica.

Para Mariana Bazzo, outro reflexo da Lei Maria da Penha é o desenvolvimento do Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres no Brasil, produzido desde 2012. Na edição de 2015, a publicação revela que, entre 1980 e 2006, período anterior à lei, o crescimento do número de homicídios de mulheres foi de 7,6% ao ano. Já no período de 2006 a 2013, com a vigência da lei, o crescimento do número desses homicídios cai para 2,6% ao ano.

Ações – O Ministério Público do Paraná, de acordo com Olympio de Sá Sotto Maior Neto, trabalha com a proposta de responsabilização e educação do homem agressor, objetivando a desconstrução de uma cultura machista para o surgimento de outra que preze a dignidade e o respeito à mulher. O MP-PR estimula a formação de programas que propõem a homens agressores uma reflexão acerca dos atos que praticaram, gerando uma conscientização para a igualdade de gênero, direitos humanos, direito de família, dentre outras questões que problematizam a violência.

Além disso, por meio do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige), o MP-PR monitora um cadastro estadual de casos de violência doméstica e familiar, que permite o levantamento dos tipos de violência e a identificação das regiões, dos municípios e até dos bairros onde esses crimes são frequentes. A promotora de Justiça Mariana Bazzo afirma que os números também indicam a data das ocorrências, apontam se elas aconteceram dentro ou fora da residência da vítima, se houve aplicação de medida protetiva pelo órgão competente (como o afastamento do agressor), além de informar qual a relação afetiva ou de parentesco existente entre a mulher e o agressor. “Todas essas informações contribuem para os estudos sobre as causas da violência no estado e sua prevenção”, ressalta.

A promotora de Justiça também destaca dentre as iniciativas do MP-PR a realização de eventos de capacitação, o desenvolvimento de grupo de estudos sobre o tema e a criação, em 2012, do Núcleo de Gênero e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Ela evidencia ainda o trabalho de avaliação e fiscalização do funcionamento dos serviços da rede de atendimento por parte das Promotorias de Justiça com atribuição na área de Direitos Humanos de mulheres.

O que fazer – A mulher em situação de violência pode procurar as Delegacias da Mulher e, caso não exista uma unidade especializada no município, a vítima pode dirigir-se a qualquer delegacia de polícia. Além disso, há as Promotorias de Justiça em cada comarca e Promotorias de Justiça especializadas em alguns municípios.

Há também os Centros de Referência e Atendimento às Mulheres em Situação de Violência, que prestam acompanhamento psicossocial e orientação jurídica. A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) é outro serviço disponível, gratuito e confidencial, oferecido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Além de contatar o Ligue 180, a vítima também pode ligar para a Central 190.

Em Curitiba, a Casa da Mulher Brasileira – a terceira do Brasil – disponibiliza serviços integrados relacionados à Delegacia da Mulher, psicologia, assistência social, Defensoria Pública, Juizado da Violência Doméstica e Familiar e ao Ministério Público. Há ainda uma unidade da Patrulha Maria da Penha, brinquedoteca para crianças, alojamento de passagem e peritos da Polícia Civil para realização de exames de corpo delito.

Agende-se – Também sobre o tema, será realizado nos dias 5 e 6 de setembro, pela Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid/GNDH/CNPG), em parceria com o MP-PR, o VII Encontro Nacional do Ministério Público com o tema “10 anos da Lei Mariada Penha: avanços e desafios”. O encontro acontece na sede do MP-PR, em Curitiba, e conta com palestras de vários especialistas no assunto. Para mais informações e inscrições, acesse, em breve, a página do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf).

Números
Em 2015, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) registrou 749.024 ocorrências, das quais 10,23% (76.651) foram relatos de violência. Desses 10,23%, 86,56% referem-se à violência doméstica e familiar, conforme a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

Dentre as denúncias, 38.451 (50,16%) corresponderam à violência física; 23.247 (30,33%), violência psicológica; 5.556 (7,25%), violência moral; 1.607 (2,10%), violência patrimonial; 3.478 (4,54%), violência sexual; 3.961 (5,17%), cárcere privado; e 351 (0,46%), tráfico de pessoas. O risco de que a violência relatada acarretasse na morte das vítimas foi percebido em 29,52% dos casos. Além disso, em comparação a 2014, o Ligue 180 constatou o aumento de 44,74% no número total de relatos de violência.

Em 72% dos casos, as violências foram cometidas por homens com quem as vítimas têm ou tiveram algum vínculo afetivo: atuais ou ex-companheiros, cônjuges, namorados ou amantes das vítimas. A violência é diária em 39,73% das ocorrências e semanal em 34,36% delas. Os atendimentos revelaram ainda que 77,75% das vítimas possuem filhos e que 57,85% deles presenciaram a violência e 22,76% também sofreram agressões. Além disso, os relatos evidenciaram que apenas 34,67% das mulheres em situação de violência dependem financeiramente do agressor, 65,33% não dependem. Esse dado contradiz o senso comum de que a dependência financeira é a motivação principal para a permanência de mulheres em relações marcadas por violência de gênero.

Segundo informações do Atlas da Violência 2016, que tem como base o ano de 2014, 13 mulheres foram assassinadas por dia no Brasil, totalizando 4.757 vítimas. O balanço é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ainda de acordo com o estudo, o Paraná está entre os 18 estados brasileiros que apresentaram taxa de mortalidade por homicídio de mulheres acima da média nacional (4,6), no período de 2004 a 2014, apresentando um índice de 5,1. Os demais são: Amapá (4,8), Bahia (4,8), Pernambuco (4,9), Rio de Janeiro (5,3), Acre (5,4), Paraíba (5,7), Rio Grande do Norte (6,0), Pará (6,1), Ceará (6,3), Mato Grosso do Sul (6,4), Rondônia (6,4), Sergipe (6,5), Mato Grosso (7,0), Espírito Santo (7,1), Alagoas (7,3), Goiás (8,8) e Roraima (9,5).

Reabilitação de agressores

Lado a Lado – Dentre as medidas aplicáveis a quem comete crimes previstos na Lei Maria da Penha está a obrigatoriedade de participar de encontros de reabilitação de homens agressores. Geralmente os cursos são realizados por iniciativa do Ministério Público, Poder Judiciário, universidades ou prefeituras e podem ainda partir de parcerias entre essas instituições.

Desde julho de 2013, quando foi criado, o programa Lado a Lado, da Faculdade Metropolitana de Maringá (Unifamma), já recebeu 170 pessoas, aproximadamente. Hoje lá são atendidos 49 homens dentre professores universitários, policiais, caminhoneiros, empresários, pedreiros e bancários, com idades entre 19 e 70 anos. De acordo com a coordenadora do curso de psicologia da Unifamma e uma das responsáveis pelo programa, Aracéles Frasson, os encontros trazem bons resultados e não há registro de reincidência entre os que participaram até hoje da iniciativa. Assim como o Lado a Lado, há outros 25 programas no Paraná que registram índices muito baixos de reincidência.

Desafios – Segundo a professora de psicologia, trabalhar o conceito de violência é um dos principais desafios, já que todos os participantes entendem que existe apenas a violência física, ignorando a moral e a psicológica. Além disso, para eles a pena só é justa em casos extremos, quando a agressão termina em morte. “Eles não aceitam que os outros tipos de violência sejam crimes, pois veem como algo natural, que faz parte do relacionamento”. Aracéles destaca que muitas vezes os praticantes de agressão se colocam no papel de vítimas, afirmando que a mulher provocou a situação e que também agrediu, “mas durante os encontros começam a entender que estão reproduzindo a violência sem perceber”.

A maioria dos participantes, segundo Aracéles, trazem bons retornos para o grupo e, apesar de não aceitarem o fato de que cometeram um crime, reconhecem que as reflexões propostas são importantes para a vida deles. “Alguns são resistentes – entram e saem do mesmo jeito –, mas há casos em que o homem consegue até retomar o contato e manter uma relação de respeito com a ex-companheira em função dos filhos”, exemplifica.

A baixa autoestima e a vergonha são características comuns dos atendidos pelo programa, e a psicóloga explica que, para que haja a reabilitação, eles não podem ser vistos pelos profissionais do curso apenas como praticantes do ato infracional, mas como indivíduos em sua totalidade. Além disso, a violência sai do foco do ato em si e passa a ser analisada a partir do histórico de agressões ao longo da vida praticadas contra a mãe, a irmã, a vizinha e outras mulheres com quem se relacionaram.

Sobre o programa – O programa Lado a Lado é uma iniciativa da 2ª Vara Criminal de Sarandi, que propôs o desenvolvimento do projeto para a Unifamma. Os participantes, portanto, são dos municípios de Maringá e Sarandi. Em grupos de quinze pessoas, os encontros são realizados às quintas-feiras, das 19 às 21 horas, e, em média, cada integrante deve participar de dez reuniões.

A ação é um projeto de extensão da faculdade e faz parte do programa de estágio do curso de psicologia. As atividades são desenvolvidas por profissionais e estagiários de direito, psicologia e serviço social, que atuam para a conscientização dos autores de violência doméstica contra a mulher, na busca de sua reinserção social. Um dos principais objetivos do Lado a Lado é contribuir com a desconstrução de estereótipos de gênero e padrões sexistas, perpetuadores das desigualdades de poder entre homens e mulheres.

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