Qual a conexão entre jogadores de futebol e o TDAH?

Por Dr. Paulo Bittencourt, neurologista

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição que afeta a forma como a pessoa lida com foco, impulsividade e, em alguns casos, com a ansiedade. Mas o que poucos sabem é que há uma conexão curiosa entre o TDAH e o futebol, esporte que mobiliza milhões de crianças e famílias no Brasil.

O futebol, desde a sua criação, sempre foi um esporte associativo: exige comunicação constante, improviso e reação rápida aos estímulos. Dentro de campo, o jogador precisa se dividir entre a bola, os colegas de time, a torcida e o adversário. Esse ambiente cheio de estímulos é muito parecido com o modo de funcionamento da mente de quem tem TDAH, onde a atenção pula de um foco a outro.

É por isso que muitos meninos com suspeita de TDAH acabam chegando ao consultório com a mesma história: sonham em ser jogadores de futebol. A liberdade de movimento, a possibilidade de improvisar, e até o incentivo dos pais, acabam tornando o futebol um espaço natural para eles.

Mas o que acontece em outros esportes? A comparação com a natação ajuda a entender melhor. Dentro da piscina, o atleta precisa contar braçadas, respeitar tempos, manter concentração em detalhes invisíveis ao público, como a virada olímpica ou o ritmo de respiração. E o objetivo é simples e relativamente humilde: ganhar uma medalha na próxima competição.

Natação, badminton, tênis, as lutas marciais, são esportes silenciosos, repetitivos e de regras rígidas — justamente o oposto do futebol. Por isso, é muito raro ver crianças com TDAH se adaptando bem a estas modalidades como a natação, em que a disciplina e a monotonia exigem um nível de atenção que lhes é especialmente difícil.

Essa conexão entre TDAH e futebol vai além do campo. No Brasil, a maioria dos jovens jogadores associa o esporte ao sonho de fama e sucesso. Isso, porém, pode atrapalhar a vida escolar: quem acredita que será estrela muitas vezes não se vê como bom aluno. A miragem de um futuro estrelato pode até funcionar como um álibi para a criança e o jovem não terem um grande desempenho escolar. É raro encontrar exemplos de jogadores que também se destacaram academicamente. Enquanto isso, em países como Portugal, a referência em Cristiano Ronaldo inspira jovens a cuidar do corpo, da disciplina e até da vida pessoal, permitindo carreiras mais longas e consistentes.

É importante lembrar que o TDAH também está ligado à ansiedade. A frustração por não atingir o potencial esperado, a baixa autoestima e a desorganização podem criar um ciclo de estresse e desânimo. No futebol, esse cenário é reforçado pela pressão por resultados imediatos e pela comparação constante com ídolos. O convívio com uma ideia que pode ser uma miragem, uma esperança, sem dúvida se torna um motor, gerador de instabilidade.

Por outro lado, o esporte pode ser um grande aliado no tratamento do TDAH. Atividades físicas liberam neurotransmissores como a dopamina e a noradrenalina, que ajudam a melhorar a atenção e o humor. Jogadores como Lionel Messi e Lucy Bronze já revelaram conviver com o transtorno e provaram que, com acompanhamento adequado, é possível transformar o TDAH em combustível para a superação.

A conexão entre futebol e TDAH, portanto, não é apenas clínica: é social, cultural e até histórica. Cabe a pais, professores e profissionais de saúde usar essa afinidade natural com o esporte como ponte para ensinar disciplina, equilíbrio e autoestima. Porque, no fim das contas, o jogo da vida não se decide apenas com talento, mas também com cuidado, responsabilidade, e percepção de si mesmo e dos outros.


 Dr. Paulo Rogério Mudrovitsch de Bittencourt

  • Neurologista de renome internacional, formado pela Universidade Federal do Paraná em 1976.
  • PhD em Neurologia pela University of London (1981), com residência e pesquisa no The National Hospital for Neurology and Neurosurgery, em Londres.
  • Foi chefe de serviços de Neurologia e Neurofisiologia no Hospital Nossa Senhora das Graças (1982-2002).
  • Professor titular de Neurologia da UFPR (1991).
  • Ex-presidente da Liga Brasileira de Epilepsia e vice-presidente da Liga Internacional de Epilepsia.
  • Autor de mais de 150 publicações científicas e 8 livros voltados ao público leigo e especializado.
  • Atualmente coordena a DIMPNA, onde conduz o Projeto Saúde, unindo ciência, prática clínica e visão humanista.
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